domingo, 6 de abril de 2014

O CANTE


(Excerto de Mar de Pão)

No tempo em que a taberna do Faustino se enchia de homens ao fim da tarde, cada qual com o seu naco de merendeira e o toucinho, a linguiça ou as azeitonas, regados por três ou quatro copos de vinho da casa que, para serem bem aviados, haviam sempre que ficar a deitar para fora, nesse tempo, a deita era para mais tarde. Em grandes algazarras, punha-se a conversa em dia, bradando com interjeições apropriadas aos que iam entrando ou saindo. Em hora de despedida e porque o vinho também é grande ajuda destas andanças, lá se fazia um despique de cantigas, em que o cante tomava inevitavelmente o primeiro lugar.
Joaquim das Vacas foi interessado animador destes convívios. Não tomava a iniciativa na cantoria, mas acompanhava com gosto e até mesmo com paixão, sobretudo quando eram as suas preferidas do Grupo Os Trabalhadores de S. Bartolomeu do Outeiro ou d’Os Ceifeiros de Cuba. A sua especialidade era, isso sim, a conversa animada entre dois copos.

Campo das Letras, 2003