sexta-feira, 30 de junho de 2017

POEMA PARA RESPIRAR


- Dê-me oxigénio, por favor, uma pinguinha,
que a falta dele é bem capaz de me matar.
Fico roxo, boca aberta e em pele de galinha
e não me dá jeito morrer com falta de ar.

Felizmente ainda existe este ar que se respira:
consumido, maltratado, quanto baste poluído,
promete o seu ar de graça e a quem suspira
oferece vida airada, que é o meu ar preferido.

Sem abrigo e enjeitado, não respira nem ao relento
é o ar que nos dá, esse não passa de ar e vento.

quarta-feira, 28 de junho de 2017

O FIM DA INOCÊNCIA


Não dá para ser bonzinho
e ser o saco da pancada:
fartei-me desse caminho
sem nunca chegar à estrada.

Oferecer a outra face
somente por bem parecer,
obrigado, não se mace,
tenho mais que fazer.

Prefiro bater com a cabeça
numa parede bem dura,
do que esperar que aconteça
bom modo de cavalgadura.

segunda-feira, 26 de junho de 2017

A NUVEM E A CEGONHA


Vou chover quando partires,
disse a nuvem à cegonha,
e do outro lado onde me vires
não choverei por vergonha,

ou em vez de chover, decanto
e de tal modo desbragada,
que às lágrimas do meu pranto
lhes chamarão trovoada.

Não o faço por malvadeza,
mal do tempo que é o meu fim:
são ardis da natureza
ao aproveitar-se de mim.

Sou como o Sol e o vento,
por isso não te admires
e, para teu conhecimento,
vou chover quando partires.

sábado, 24 de junho de 2017

CINZAS


O fogo consumiu as árvores;
o pó e a cinza ocupam agora
o lugar da sombra.

quinta-feira, 22 de junho de 2017

SENHORAS DE BEM

Buy Le  Moulin de la Galette 1876 Pierre-Auguste Renoir

Senhoras de bem tomam chá e café,
enquanto se abanicam nas esplanadas
sociais e falam de outras da mesma fé
e condição, ali ao lado também sentadas.

Fazem tilintar os pechisbeques dourados
à vez, que usam no pulso e no artelho,
enquanto sorvem os chás de tília e os abatanados,
encardindo as chávenas de batom vermelho.

Fumam cigarros light e falam de nadas,
lidos em jornais de indistinta fantasia:
- meias verdades, contos de fadas,
e assim vão apatanhando a democracia.

Com sorte, os maridos deram o mote,
que as faz fazer figura com tal sabedoria
mas não os citam para que ninguém note,
que o penteado esconde a mente vazia. 

Mais um fait divers, uma nova baforada,
um segredo cabeludo, avulsas maledicências,
sublinhados com sonora gargalhada,
que apazigua as cinzentas consciências. 

terça-feira, 20 de junho de 2017

AO DEUS DARÁ


Filipe II de Espanha, quando ordenou
a Invencível Armada contra os bárbaros do norte
e perdeu a frota e os marinheiros,
deveria ter concluído que Deus não vive a sul.
Ou, no pior dos cenários,
Deus, este que é o lábio belfo de Roma,
teria morrido afogado nas águas frias do Mar do Norte
muito antes Francis Drake disparar o primeiro tiro.
Mas nenhum deus morre
ou passa de um lado para o outro
sem o consentimento de um monarca como foi Filipe II,
para mal dos nossos pecados.

sábado, 17 de junho de 2017

ELE HÁ COISAS!


Há coisas que sim
e coisas que não.
Mais coisa, menos coisa,
coisas são.

Coisas do arco-da-velha
e outras que não têm fim,
que dão voltas, reviravoltas…
Nunca vi coisa assim.

E há coisas
que não são coisa nenhuma,
quando pensamos que há coisa
e a coisa não se consuma.

Dizem que há coisas e coisas,
verdadeiras, de fantasia;
coisas más e coisas boas
e coisas que eu nem sabia.

O que sobra é coisa pouca,
uma ou outra que espreita ou ousa
se for coisa que se veja,
como quem não quer a coisa.

quinta-feira, 15 de junho de 2017

OLÍMPICA EPOPEIA


Alto é o alcantil,
a pedra em terra,
que o mar lhe foi ardil
e temor de finisterra.

Forte, o rochedo,
o destino adverso,
que converteu o medo
em universo.

Longe vai o mar,
as velas ao vento;
cansado de as olhar,
longe vai o tempo.

terça-feira, 13 de junho de 2017

OS LÁPIS DE CORES



Quando ainda nada sabia
já tinha uma pedra preta
de ardósia onde escrevia
muito antes de ter caneta.

Tinha caderno dos deveres,
livros com letras e flores,
tudo novidades e saberes,
e uma caixa de lápis de cores.

Quando andava na escola
tinha um tesouro metido
dentro da minha sacola
e todo o mundo lá escondido.

A régua, um lápis com borracha,
os ponteiros  e afiadores
todos alinhados numa caixa
e uma fortuna em lápis de cores…

São memórias que hoje tenho,
imaculada recordação,
quando os lápis de cores de antanho,
me vêm parar à mão.

domingo, 11 de junho de 2017

POESIA, ÀS VEZES



Quantas vezes te disse aqueles versos:
“Senhora partem tão tristes
meus olhos por vós meu bem”…
genuinamente de Camões – e tu acreditavas!
Eram de um tal Ruiz, nosso conterrâneo,
e tudo parecia igual à eterna Leanor descalça
por graça ou às tágides serviçais do canto primeiro…
Do canto jondo te falei e de Lorca
e de tristezas outras como o nosso fado.
O teu encanto era o porquinho amado
de Manuel Bandeira, a sua “primeira namorada”.
Enfim, nem deste conta do erro de geografia
na Lampara Marina de Neruda, mas não te culpo:
ele dizia o que havia para dizer e isso era o essencial.
Disso tive a certeza quando, já com toda a liberdade,
Eras tu quem dizia Gomes Ferreira ardendo
e Ary queimando e queimando-se a cada verso.
Havia outro ainda, que sendo singular Pessoa
era uma multidão de dores e sentimentos.
Por que haveria eu de saber mais pormenores
sobre a cigarreira do “menino de sua mãe”?
Era breve, eu sei, mas por isso mesmo
o tempo não ajudava mesmo nada
a quem, no meio de tantos poetas,
desvendasse que a poesia era a nossa vida iletrada.

segunda-feira, 5 de junho de 2017

ALOENDRO



Se me enganas recorrendo
a poses de virgem ardente,
chamar-te-ei aloendro,
que mata traiçoeiramente.

Os panos de popelina
das pétalas que te esboçam,
são para mim a morfina
que os meus lábios adoçam. 

Ainda assim fico tentado,
tal é a embriaguez,
não vá de tal ficar augado,
pois só se morre uma vez…

sexta-feira, 2 de junho de 2017

AZULEJOS 4


quinta-feira, 1 de junho de 2017

AZULEJO 3